Aula: Como agravar da decisão que deferiu a busca e apreensão
Para que ocorra a busca e apreensão são necessários cumulativamente os seguintes requisitos:
- Constituição em mora;
- Inadimplemento do devedor;
- Contrato válido;
Em outras palavras, só será possível bloquear uma ação de busca e apreensão se for possível elidir um destes requisitos, não existindo outra causa em lei que permita resolver esta situação, ou seja, não interessa se o devedor ficou doente, se perdeu o emprego, se mudou de país ou casou com o Steve Jobs o fato é que se não for elidida uma destas causa que autorizam a busca e apreensão esta irá ocorrer, pois não haverá possibilidade de modificar a decisão que deferiu a busca, razão pela qual nosso estudo deve se focar em como elidir os requisitos da busca e apreensão através de um um agravo de instrumento.
1. A Constituição em Mora
Na existência de um contrato garantido através da alienação fiduciária a lei garante ao credor a busca e apreensão liminar da coisa em caso de inadimplemento, é a previsão do art. 3 do Decreto Lei 911/69.
Art 3º O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciàriamente, a qual será concedida Iiminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor.
Dec.Lei 911/69
Não obstante conforme pode se verificar pela redação do artigo a norma fala em comprovação da mora, logo a a constituição da mora nas ações de busca e apreensão é um ato formal, ou seja, para que ocorra a busca e apreensão se faz necessária a notificação do devedor da existência da mora.
Antigamente, para que fosse deferida a busca e apreensão se exigia que a instituição financeira comprova-se nos autos que havia ocorrido uma notificação pessoal, por oficial ou por edital do credor, depois a jurisprudência passou a aceitar como comprovação a mera entrega de notificação no endereço do devedor, no entanto esta entrega deveria ocorrer via cartório de protestos e não pelos correios, no entanto no início de 2014 uma modificação legislativa advinda através da lei 13.043/14 passou a permitir a notificação via carta ar (carta registrada) e não sequer que a assinatura no notificado conste no AR.
De fato, isto traz pouca mudança prática, pois conforme se pode ver em jurisprudênicas lá de 2007 se considerava desnecessária a notificação pessoal do devedor da mora.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - BUSCA E APREENSÃO- DECRETO LEI 911/69 - NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR - DESNECESSIDADE. Em se tratando de alienação fiduciária é desnecessária a notificação pessoal do devedor, bastando que a mesma seja efetivada em seu endereço. Tendo restado demonstrados nos autos pelo autor todos os requisitos para a propositura da ação de busca e apreensão, quais sejam, contrato válido, inadimplemento do devedor e sua constituição em mora, conforme comprovado pela notificação extrajudicial de fl. 14, não há que se falar em extinção do feito, devendo a liminar de busca e apreensão ser deferida, com o normal prosseguimento do feito. (TJ-MG 107070612577210011 MG 1.0707.06.125772-1/001(1), Relator: D. VIÇOSO RODRIGUES, Data de Julgamento: 17/04/2007, Data de Publicação: 04/05/2007)
Dito isto, fica parecendo bem difícil, se elidir este requisito na ação, no entanto, felizmente para quem advoga contra bancos é bem comum que o banco se esqueça de fazer a notificação ou mesmo fazendo não junte o comprovante de tal notificação no processo, e, se isto acontecer, basta que você alegue no agravo que não ocorreu a constituição em mora que a a busca e apreensão deverá ser revogada.
Desta forma, a primeira coisa que você deve verificar quando for começar a preparar o seu recurso é se ocorreu ou não a notificação válida, e se o comprovante desta foi juntado aos autos e se a resposta para esta pergunta for negativa basta alegar este fato que você conseguirá reverter a busca e apreensão.
Outrossim convém lembrar que a alteração legislativa é nova, desta forma, se pensarmos que a posição anterior era de que carta AR não era válida, se cria uma nova tese, em especial devido a questão da não exigência da assinatura do contratante no AR de inconstitucionalidade e ilegalidade da norma, na medida em que seria possível alegar que ela estaria dificultando a defesa do consumidor em juízo, em suma, o que parece que veio para auxiliar os bancos pode acabar atrapalhando por criar tumulto processual para algo que era bem simples e já estava resolvido.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Alienação fiduciária. BUSCA E APREENSÃO E LIMINAR. NOTIFICAÇÃO INVÁLIDA. DEPÓSITO. PURGA DA MORA. Não se presta para caracterizar a mora a notificação encaminhada por correio e via escritório de advocacia, restando desatendida determinação expressa do Decreto-Lei no 911/69, que impõe o encaminhamento via cartório de títulos e documentos, ou por protesto.A questão acerca da extensão da purga da mora ainda não foi apreciada na primeira instância, de sorte que não cabe apreciação nesta sede, sob pena de suprimir-se um grau de jurisdição.Agravo liminarmente provido em parte.
AGRAVO DE INSTRUMENTO - TJRS CNJ: 0389455-05.2014.8.21.7000
2. O Inadimplemento do devedor
Ao contrário do que muitos imaginam não é necessário que o devedor esteja com uma, duas, ou três parcelas atrasadas para que ocorra a busca e apreensão, pois basta simplesmente que exista o inadimplemento de uma parcela que a busca e apreensão já pode ocorrer.
Vale dizer ainda que até bem pouco tempo atrás se entendia que o devedor poderia purgar a mora e evitar a busca, ou seja, poderia pagar o valor em atraso e assim elidir o inadimplemento e consequentemente a busca, no entanto o novo entendimento do STJ - o qual eu acho particularmente um absurdo - é de que uma vez ocorrido o inadimplemento se opera o vencimento antecipado do contrato e assim a purga da mora envolve a quitação de toda dívida (a parte que estava vencida, a que venceu antecipadamente e todas multas e mora), em outras palavras, o STJ rasgou o CDC e atirou no lixo o princípio da continuidade do contrato, razões pelas quais acredito que esta posição será revista no futuro ou pelo STJ, ou pelo STF, ou até mesmo por uma mudança na lei.
Cabe chamar a atenção que este novo entendimento do STJ só vale para os contratos posteriores a lei 10.931/04, e foi firmado no julgamento do recurso paradigma: REsp 1.418.593.
De qualquer sorte, o que realmente nos interessa aqui é como conseguir então romper com o inadimplemento, e, para tal, só temos basicamente duas possibilidades:
- Declarar o adimplemento substancial;
- Declarar que a culpa do inadimplemento é do banco;
O Adimplemento substancial
Esta tese surgiu nos últimos anos e foi consolidada quando o STJ afirmou que apesar do inadimplemento não poderia ocorrer a retomada de um bem quando houvesse ocorrido o adimplemento substancial.
Na época o STJ não disse de quanto era este adimplemento substancial, mas seria algo como já terem sido pagas 58 parcelas de um contrato de 60.
Não temos muito de onde tirar qual o número mágico que indica o adimplemento substancial, de fato só temos o teto inferior, pois visto que a súmula 284 do STJ - afirma que:
Súmula 284 do STJ A purga da mora, nos contratos de alienação fiduciária, só é permitida quando já pagos pelo menos 40% (quarenta por cento) do valor financiado.
Fica evidente que tal não é possível com menos de 40% pago, e mais do que isto, como se fala em adimplemento substancial, entendemos que para pedir tal aplicação deve ter ocorrido no mínimo o pagamento de 51% das parcelas, senão evidemente a parte não paga é maior que a paga e ai fica impossível falar-se em adimplemento substancial, neste sentido vejamos a ementa do leader case:
DIREITO CIVIL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL PARA AQUISIÇAO DE VEÍCULO (LEASING ). PAGAMENTO DE TRINTA E UMA DAS TRINTA E SEIS PARCELAS DEVIDAS. Resolução do Contrato. AÇAO DE REINTEGRAÇAO DE POSSE. DESCABIMENTO. MEDIDAS DESPROPORCIONAIS DIANTE DO DÉBITO REMANESCENTE. APLICAÇAO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. 1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código Civil de 2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual "[a] parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos" . 2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato. 3. No caso em apreço, é de se aplicar a da teoria do adimplemento substancial dos contratos, porquanto o réu pagou: "31 das 36 prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido". O mencionado descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse pretendida e, consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento mercantil, medidas desproporcionais diante do substancial adimplemento da avença. 4. Não se está a afirmar que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes. Apenas se afirma que o meio de realização do crédito por que optou a instituição financeira não se mostra consentâneo com a extensão do inadimplemento e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002. Pode, certamente, o credor valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por exemplo, a execução do título. 5. Recurso especial não conhecido.” (RECURSO ESPECIAL Nº 1.051.270 - RS (2008/0089345-5 – Min. Luis Felipe Salomão) (grifo nosso) “Se o saldo devedor for considerado extremamente reduzido em relação à obrigação total, é perfeitamente aplicável a teoria do adimplemento substancial, impedindo a resolução por parte do credor, em favor da preservação do contrato”. (AREsp 155.885 - Ministro Massami Uyeda) (grifo nosso)
Desta forma, fica evidente o quão é difícil destruir a busca e apreensão pelo adimplemento substancial, outrossim recomendo que este argumento seja sempre utilizado quando pago mais de 80% do contrato, pois ai fica muito clara a sua aplicação.
A mora accipiens - ou a culpa da mora é do credor
Dito isto nos cabe analisar o último fundamento para se elidir o inadimplemento, qual seja demonstrar que o cliente não tem culpa da mora, pois este não pagou por culpa da ré que exigia além do permitido. Esta é na verdade a tese da revisão do contrato, pois segundo o STJ, deve ser afastada a mora sempre que existir abusividade no contrato. Veja esta decisão do TJRS negando uma busca e apreensão pela ocorrência de capitalização:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. POSSIBILIDADE DE DECISÃO MONOCRÁTICA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL ENCAMINHADA AO ENDEREÇO CONSTANTE DO CONTRATO. VIA CARTORÁRIA. INTIMAÇÃO PESSOAL DESNECESSÁRIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL DE CAPITALIZAÇÃO. ABUSIVIDADE QUE AFASTA A MORA DO DEVEDOR. AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA. INDEFERIMENTO DA LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO. NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO. (Agravo de Instrumento Nº 70034768770, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dorval Bráulio Marques, Julgado em 19/02/2010) (TJ-RS - AI: 70034768770 RS , Relator: Dorval Bráulio Marques, Data de Julgamento: 19/02/2010, Décima Quarta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 05/04/2010)
Aqui então nos deixa claro que devemos alegar todas abusividades possíveis e imagináveis para tentar afastar a mora do contrato, desde a cobrança de TAC, capitalização, juros abusivos, e o que mais for aplicável ao caso, uma vez que se tal for declarado se afasta a mora e se derruba a busca e apreensão. Uma coisa interessante de se falar é que o ajuizamento de uma revisional não afasta a mora, mas se lá for deferida uma liminar de manutenção de posse com depósito em juízo isto na prática é a supressão da mora durante o curso da revisional e é por isto que algumas vezes a revisional impede a busca e em outras não. Saliente-se aqui que a mera autorização para deposito judicial na revisional não afasta a mora, sendo necessário que o juiz ou mantenha a posse do bem, ou afaste a mora ou vede a inscrição nos cadastros de inadimplentes.
3. O Contrato válido
Para ocorrer a busca o contrato deve ser válido, e por validade não estamos falando em não ter cláusula abusiva, mas aquelas do art 104 do Código Civil
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Neste sentido fica claro que dificilmente vamos ter qualquer coisa para alegar em relação aos contratos, no entanto os problemas mais comuns são:
- Contrato assinado em branco - exemplo sem taxa de juros - (agride III devido a agressão ao CDC e legislação do BACEN);
- Contrato não registrado no DETRAN - não consta alienado fiduciariamente lá nos documentos do carro (quebra de norma administrativa - alguns julgadores entendem que isto veda a busca, outros que é mera irregularidade que pode ser sanada). No mais para elidir este requisito se deve analisar caso a caso e verificar o que será aplicável ou não.
Conclusão
Como vimos, apesar de não ser fácil é possível sim, em muitos casos, reverter uma liminar de busca e apreensão bastando que para isto se utilize da defesa correta.
Em nossos modelos existem exemplos de agravos de instrumentos nos quais você pode se inspirar para fazer sua defesa e lembre-se. Quem esta com a razão nunca precisa escrever muito.
Ainda ficou em dúvida ? Mande sua dúvida e nos ajude a melhorar este texto.
Abraço a todos Gabriel Rodrigues Garcia
Enviar aula para email
Acessar mais conteúdos como este